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Seleção de Instrumentos de Avaliação por Psicólogos: uma questão de formação?

18/03/2012

Por Lucas de Francisco Carvalho

O debate acerca da escolha de instrumentos psicológicos possibilita traçar discussões a respeito de diversas temáticas, contudo, é quase inevitável que a questão da formação em psicologia esteja, ao menos, como pano de fundo dessas discussões. Neste breve texto é apresentada uma reflexão tratando da importância da formação em psicologia no momento da tomada de decisão em relação à seleção de instrumentos psicológicos.

Costuma-se apontar como única atividade privativa do psicólogo a possibilidade do uso de instrumentos e técnicas para realizar avaliação psicológica. De fato, há respaldo legislativo garantindo o uso dessas ferramentas somente para o profissional formado em psicologia. Apesar do uso restrito por psicólogos de todos testes considerados como psicológicos não ser consenso pelos profissionais da área no país, há grande parcela de psicólogos que concordam com essa reserva profissional (e, inevitavelmente, de mercado).

Em concordância ou não com a restrição, qualquer profissional graduado em psicologia, de posse do diploma e do registro no Conselho Regional de Psicologia (CRP) que lhe diga respeito, pode acessar os manuais e utilizar na prática qualquer um dos instrumentos aprovados pelo SATEPSI. Contudo, emerge uma simples, mas diretiva questão desse fato: o que garante que todo e qualquer profissional formado em psicologia é apto para o uso dessas ferramentas?

Oras, a resposta em um primeiro momento parece fácil e rápida, qual seja, a boa formação em psicologia garante a aptidão. No entanto, responder essa pergunta é algo mais complexo quando considera-se os dados apresentados pela literatura científica. Por exemplo, de acordo com Noronha, Carvalho, Miguel, Souza e Santos (2010), o que é esperado na formação em psicologia em relação à avaliação psicológica não está claro, apesar de existirem diretrizes apontadas em trabalhos isolados.

Tem-se aí o primeiro obstáculo na área, isto é, torna-se trabalho hercúleo a reflexão acerca do que se espera, em termos de avaliação psicológica, de um profissional formado em psicologia, quando não estão claras as competências e conhecimentos necessários que devem ser passados para os estudantes. Nesse ponto, poder-se-ia apontar que a necessidade e importância da escolha adequada de instrumentos psicológicos não sabe nessa área desconhecida na formação do psicólogo, já que é ponto pacífico que qualquer profissional em psicologia deve apresentar essa habilidade. Mais uma vez a literatura científica apresenta dados que complexificam a questão.

Em relação aos estudantes de cursos de psicologia, alguns estudos (Noronha & Alchieri, 2004; Noronha & cols., 2004; Noronha & cols., 2003) demonstram que o conhecimento sobre avaliação psicológica e testes psicológicos dessa população está aquém do que é esperado (inclusive, há uma tendência a apresentar conhecimento inferior a estudantes de outros cursos). Além disso, apesar dos alunos do final do curso apresentar maior conhecimento acerca da avaliação psicológica e testes psicológicos do que alunos do início do curso, verificou-se que para algumas questões básicas e fundamentais (por exemplo, se um instrumento deve ou não ser válido), os estudantes do início do curso obtiveram melhores resultados.

A ausência de diretrizes claras quanto ao ensino da avaliação e testagem psicológica no país e o nível de conhecimento na área apresentado por estudantes de psicologia, são pontos altamente relacionados que podem ter como consequência profissionais com formação insuficiente. Os dados apresentados por Noronha (2002) vão nesse sentido (e sugerem que após 10 anos, há muito ainda a ser feito), apontado problemas tanto aos instrumentos psicológicos (o que tem a ver com a construção de instrumentos psicológicos, que é no geral realizada por psicólogos) quanto ao uso dessas ferramentas.

Em suma, ainda que este texto não tenha como pretensão esgotar a literatura nacional, pode-se observar que existem dados suficientes na literatura sugerindo que (a) não há clareza suficiente quanto a formação em psicologia no que concerne à avaliação psicológica; (b) os conteúdos ministrados ao longo da graduação em psicologia parecem não ser suficientes para garantir uma prática profissional adequada na área; e (c) possíveis reflexos da falta de clareza da formação na área e da inadequada formação profissional, quais sejam, o uso inapropriado das ferramentas psicológicas. Tentando responder a questão que dá título a este texto, sim, a seleção de instrumentos psicológicos parece estar relacionada com a formação em psicologia.

 

Referências

Noronha, A. P. P. (2002). Os problemas mais graves e mais frequentes no uso dos testes psicológicos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15(1), 135-142.

Noronha, A. P. P., & Alchieri, J. C. (2004). Conhecimento em avaliação psicológica. Revista Estudos de Psicologia, 21(1), 43-52.

Noronha, A. P. P., Baldo, C. R., Almeida, M. C., Freitas, J. V., Barbin, P. F., & Cozoli, J. (2004). Conhecimento de estudantes a respeito de conceitos de avaliação psicológica. Psicologia em Estudo, 9(2), 263-269.

Noronha, A. P. P., Baldo, C. R., Barbin, P. F., & Freitas, J. V. (2003). Conhecimento em avaliação psicológica: um estudo com alunos de psicologia. Psicologia: Teoria e Prática, 5(2), 37-46.

Noronha, A. P. P., Carvalho, L. F., Miguel, F. K., Souza, M. S., & Santos, M. A. (2010). Sobre o ensino de avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 9(1), 139-146.