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A importância dos estudos psicométricos em instrumentos traduzidos e adaptados para o brasil: O Caso PMK

17/08/2012

Por Fernando Pessotto

A tradução e adaptação de instrumentos psicológicos é uma prática comum no Brasil. Adaptar um instrumento já validado em outro país facilita o intercâmbio de informações científicas, possibilitando estudos transculturais e oferece menores custos em comparação ao desenvolvimento de um novo instrumento. Esta prática requer procedimentos rigorosos a fim de garantir o status científico e, consequentemente, as inferências que tais procedimentos podem proporcionar (Argollo e cols, 2009).

Em geral, o processo de tradução e adaptação envolve, no mínimo, dois profissionais independentes que realizam a tradução e adaptação do teste para o português. Em seguida, é realizada uma tradução para a língua de origem novamente, por outros tradutores a fim de verificar a qualidade da adaptação realizada (Dini, 2004). Com o intuito de assegurar uniformidade e qualidade da tradução e das inferências realizadas a partir da interpretação de seus resultados, o International Test Commission propôs as Diretrizes para o Uso de Testes (IBAP, 2003) indicando pontos importantes a serem considerados como diferenças sociais, políticas, linguísticas e culturais, além de ressaltar os preceitos éticos envolvidos no processo.

Em geral são escolhidos os instrumentos mais utilizados em diferentes países, já que apresentam grande número de estudos verificando as propriedades psicométricas dessas ferramentas. Em alguns casos, a escolha por trazer um instrumento para o Brasil está relacionada com uma lacuna que pode haver nas áreas de avaliação e nos testes disponíveis em determinada cultura/país.

As pesquisas realizadas no país de origem são utilizadas como parte do embasamento empírico, justificando que estudos exploratórios já foram realizados e o instrumento apresenta propriedades psicométricas adequadas. Porém, pessoas que vivem em diferentes culturas podem apresentar diferentes estratégias na resolução de problemas de um teste ou de interação com o meio (Anastasi & Urbina, 2000), sendo necessário o constante monitoramento de mudanças na população e uma revisão rigorosa caso seja necessária a mudança de critérios, conteúdos ou modo de aplicação. Para isso, estudos que contribuam para verificação das propriedades psicométricas na nova cultura são imprescindíveis.

Recentemente, o teste psicológico Psicodiagnóstico Miocinético ([PMK]; Mira, 2004), um instrumento amplamente utilizado no Brasil, em contextos como do trânsito e porte de armas, recebeu parecer desfavorável da Comissão Consultiva do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos ([SATEPSI]; http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/noticias/noticia_120515_001.html), órgão constituído por especialistas da área de avaliação psicológica e responsável por apreciar a qualidade dos testes psicológicos em uso no Brasil, em especial no que diz respeito ao cumprimento dos critérios mínimos estabelecidos pelo Conselho Consultivo (isto é, parâmetros psicométricos satisfatórios). Considerando que o instrumento foi trazido para o país, bem como sua amplitude de uso no Brasil e a pertinência dos estudos psicométricos também no caso de instrumentos adaptados, é apresentado neste texto um breve histórico do instrumento.

O PMK teve sua apresentação oficial em Londres, no ano de 1939. Desta informação nota-se que, além de ser um instrumento desenvolvido há mais de 5 décadas, foi idealizado em uma cultura bastante diferente da brasileira. Por ser um teste não verbal, em sua tradução e adaptação não foram necessárias mudanças de conteúdo, porém, estudos com amostras brasileiras foram realizadas com o objetivo de criar uma norma brasileira na interpretação de seus resultados.

Mira apresentou o instrumento no âmbito acadêmico em um artigo publicado em 1939 no periódico Proceedings of the Royal Society of Medicine, bem como os fundamentos que dão base para o PMK. Segundo o autor, seu objetivo era detectar a “vectorial expression of the conative trends” (p. 9). Para tanto, Mira apoiava-se na ideia de que uma pessoa é um ser único e, portanto, “every mental attitude of reaction must be accompanied by a corresponding muscular attitude, in which the movements leading to the realization of the purpose contained in the mental attitude are to be facilitated and those opposite to it are to be rendered difficult.” (p. 9). Entretanto, o autor não apresenta dados empíricos que suportem a afirmação.

As publicações que se seguiram a partir da primeira publicação de Mira (1939), apoiaram-se nos pressupostos do autor, mas não são encontrados estudos na literatura, utilizando o PMK que suportem a fundamentação do instrumento. Nesse sentido, Sisto (2010) apresenta uma revisão sobre os estudos realizados com o instrumento salientando a pouca produção científica, levando em conta sua data de origem e países que o utilizam, além da dificuldade em se resgatar estudos citados em seu manual. A falta de estudos, tanto na literatura internacional quanto na brasileira, corroboram para que as interpretações feitas a partir dos resultados do instrumento não sejam fidedignas ao seu objetivo, visto a importância de constante atualização de dados normativos, conforme explanado anteriormente.

É importante ressaltar que esses apontamentos não indicam que o PMK seja um instrumento inadequado e que nunca mais deva ser utilizado na prática profissional. Diferentemente, aponta para um instrumento que foi importado de outro país para o Brasil, mas que historicamente não apresenta estudos suficientes que suportem seu uso no país. Como exemplos de instrumentos que foram importados para o país e possuem normas específicas, pode-se citar o Rorschach, o Zulliger e o NEO-PI-R, entre tantos outros.

Por fim, destaca-se que, por mais ampla que seja a utilização de qualquer instrumento psicológico, assim como o conhecimento clínico dos profissionais sobre ele, ou mesmo quando as verificações da qualidade psicométrica desse instrumento em outros países sejam satisfatórias, sua utilização como ferramenta de avaliação mostra-se inviável até que ele seja submetido a uma exploração científica mais aprofundada no contexto em que será inserido. Esse ponto é potencializado quando os estudos em outros países são escassos e/ou divergentes. O rigor científico na avaliação dos testes pela Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica do SATEPSI tem como uma das funções principais contribuir “para o exercício da avaliação psicológica em todos os campos de atuação de profissão, resguardando a qualidade e o compromisso social e ético dela com a sociedade” (CFP, 2012).

 

Referências

Anastasi, A.; Urbina, S. (2000). Testagem Psicológica. 7 ed. Porto Alegre: Artes Médicas.

Argollo, N., Bueno, O., Shayer, B., Godinho, K., Abreu, K., Durán, P., Assis, A., Lima, F., Silva, T., Guimarães, J., Carvalho, R., Moura, I., Seabra, A. (2009). Adaptação transcultural da Bateria NEPSY - avaliação neuropsicológica do desenvolvimento: estudo-piloto. Avaliação Psicológica, 8(1), 69-75.

CFP (2012). Nota de Esclarecimento do CFP sobre o teste psicológico PMK. Acessado em 11 de junho de 2012 em http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/noticias/noticia_120515_001.html

IBAP (2003). Diretrizes para o uso de testes: International Test Commission. Versão em Português. Acessado em 07 de junho de 2012 em http://www.ibapnet.org.br/docs/DiretrizesITC.PDF

Mira, E. (1939). Myokinetic Psychodiagnosis: A New Technique of Exploring the Conative Trends of Personality. Proceedings of the Royal Society of Medicine, XXIII. 173-194.

Sisto, F. F. (2010). Uma análise das evidências de validade brasileiras do PMK. Psico-USF, 15 (2), 141-149.