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Procedimento de Tradução e Adaptação Cultural

17/08/2012

Por Gisele A. da Silva Alves

A nosso convite, o Prof. Vicente Cassepp-Borges respondeu às questões da seção de dúvidas frequentes dessa atualização. O Prof. Vicente é graduado em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2006). Doutor em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília (2010). Prêmio Estudantil da Sociedade Interamericana de Psicologia (2007). Professor Adjunto da Universidade Federal da Grande Dourados. Pesquisador na área do Amor e da Psicometria.
 

1.       Como o procedimento de tradução e adaptação cultural pode ser definido? E em quais casos deve ser utilizado?

A tradução e adaptação cultural são procedimentos científicos a serem feitos com um teste estrangeiro, para que ele possa ser utilizado em outro país. Quando comecei a estudar o amor, mais ou menos em 2005, descobri que eram muito escassos os estudos com medidas do sentimento no Brasil. Não havia sentido em trabalhar na construção de uma nova medida, pois já havia algumas escalas no exterior que demonstravam ser psicometricamente muito boas. Para que medir o amor fosse uma tecnologia à disposição da psicologia brasileira, o caminho mais curto era traduzir e adaptar testes, ao invés de criar novos.

Criar um teste é como furar um poço. Estuda-se bastante a melhor forma e lugar para fazer, investe-se tempo e dinheiro, mas pode ser que o petróleo seja encontrado ou pode ser que não. Pode ser que se invista muito e o teste simplesmente não funcione, por maior que seja o embasamento teórico na sua criação. É mais fácil extrair petróleo de um poço perfurado do que começar uma nova perfuração, bem como é mais fácil ter um teste válido e preciso a partir de um teste válido e preciso.

Cabe lembrar, no entanto, que um processo de tradução e adaptação cultural não exime o pesquisador de coletar dados e verificar o instrumento empiricamente. A hipótese de que o teste vai funcionar na cultura nova da mesma maneira que na cultura original não passa de uma hipótese até que seja verificada empiricamente. Por isso, a tradução e adaptação cultural é quase tão trabalhosa quanto a criação de um teste. Contudo, trabalhos como elaborar e descartar itens que não funcionaram tendem a ser menores.
 

2.       Quais os principais procedimentos envolvidos na realização de um processo de tradução e adaptação cultural de instrumentos psicológicos?

Suponhamos que um pesquisador queira traduzir uma escala do inglês para o português. A maneira mais simples de fazer isso é a tradução simples, na qual o pesquisador simplesmente traduz os itens de um teste diretamente para o português. Isso é uma forma válida, extremamente útil quando não há necessidade de se estabelecer uma equivalência da escala em português com a escala em inglês. Quando existe essa necessidade, recomenda-se a tradução reversa (back translation). Nesse processo, uma pessoa traduz os itens para o português e depois outra pessoa, que não conhece a escala original, traduz novamente os itens novamente para o inglês. Se essa nova tradução for equivalente ou próximo de equivalente com os itens da escala original, pode-se supor que a versão em português também é equivalente à versão em inglês. Caso haja interesse em uma sofisticação metodológica, pode-se fazer uma dupla ou tripla tradução reversa, envolvendo diversos tradutores. Isso faz com que exista um maior número de traduções, para que se possa escolher a melhor.

Contudo, essa equivalência é apenas no nível semântico. O item “eu assisto jogos de baseball”, por exemplo, deve ser um bom indicador de gosto por esportes nos Estados Unidos, mas não no Brasil. Ainda existe o caso de que a tradução é tão perfeita que não é entendida por quem responde o teste, por possuir uma linguagem muito rebuscada. Essas questões devem ser observadas. A melhor maneira de fazer-se isso é pedir para juízes-avaliadores (especialistas na área do estudo) analisarem essa influência cultural e se o teste é compreensível item por item.

Feito todos esses procedimentos do campo teórico, chega a hora de coletar os dados em pessoas de verdade. Um bom teste tem que se mostrar empiricamente independente da cultura. A Teoria de Resposta ao Item trouxe uma luz também para analisar esse problema, com o cálculo do funcionamento diferencial dos itens (Diferential Item Functioning – DIF). Se o item do baseball passasse despercebido pelos juízes-avaliadores, provavelmente ele teria um funcionamento diferencial, pois mesmo brasileiros que gostam muito de esporte iriam discordar que assistem baseball. Esse item pode servir para avaliar gosto por esporte em outras culturas, mas não na nossa.

O trabalho, como visto, é complexo e árduo. Mas, traduções e adaptações de testes são um caminho mais curto para diminuirmos o déficit de testes com evidências de validade no Brasil. Por fim, parece um erro trivial, mas muita gente tenta adaptar um teste ruim para a cultura brasileira e espera que os resultados sejam bons. Antes de começar o trabalho, observe e compreenda os indicadores estatísticos de validade e precisão. Não espere que o petróleo jorre de um poço seco.

 

Quer se aprofundar mais? Leia:

Cassepp-Borges, V., Balbinotti, M. A. A. & Teodoro, M. L. M. (2010). Tradução e validação de conteúdo: uma proposta para a adaptação de instrumentos. Em L. Pasquali e cols. (org.), Instrumentação psicológica: fundamentos e práticas. (pp. 506-520). Porto Alegre: Artmed.

Manzi-Oliveira, A. B., Balarini, F. B., Marques, L. A. da S., & Pasian, S. R. (2011). Adaptação transcultural de instrumentos de avaliação psicológica: levantamento dos estudos realizados no Brasil de 2000 a 2010. Psico-USF, 16(3), 367-381. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-82712011000300013.