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O desafio do diagnóstico do TDAH infantil

04/03/2013

Por Fernando Pessotto

Não é de hoje que o tema “diagnóstico” para crianças é um desafio para a ciência e em especial para a área da saúde. Uma questão inicial a ser considerada são os aspectos éticos em pesquisa que, muitas vezes, dificultam alguns estudos. Ao lado disso, sabe-se que a criança vivencia um período de desenvolvimento caracterizado pela instabilidade em processos motores e psicológicos.Uma das possibilidades diagnósticas na infância é o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), pivô de uma grande discussão entre especialistas da área verificando-se uma incidência de 5% da população infantil mundial (Polanczyk, CaseNa, Miguel & Reed, 2012) e estimativa de 0,9% no Brasil (Mattos, Rohde&Polanczyk, 2012).

Segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais(DSM-IV, APA, 2002, p. 112), o TDAH é um transtorno caracterizado por “um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade, mais frequente e severo do que aquele tipicamente observado em indivíduos em nível equivalente de desenvolvimento”. Como é possível notar, o diagnóstico é realizado observando-se padrões esperados de comportamento, o que pode gerar algum desacordo entre o que é ou não esperado.

Ainda sobre o TDAH, alguns profissionais concordam com o diagnóstico concebendo que comportamentos tidos como “fora do padrão” podem acarretar em um desajustamento social. De fato, a personalidade da criança está se estruturando (vide sessão “Você Sabia?” do Avaliação em Foco) e se um comportamento tido como “desajustado” perdurar por um longo período de tempo, esta criança pode ter um déficit social, seja nos processos de aprendizagem, de socialização, entre outros. Este status socialpode se relacionar com o desenvolvimento de sua personalidade, estabelecendo-se de forma negativa devido a uma sucessão de fracassos,como no caso da aprendizagem no âmbito escolar, gerando insucessoneste contexto, o que pode estar relacionado a dificuldades no desenvolvimento de estratégias adequadas de enfrentamento e resolução de problemas.

Além disso, embora o TDAH seja caracterizado com base em padrões de comportamento, há de se considerar questões de ordem cognitiva, o que pode mudar a visão do transtorno e de seu tratamento. O fato é que a avaliação cognitiva ainda não é considerada como critério para o diagnóstico do TDAH, mesmo com uma quantidade crescente de evidências indicando a importância das funções cognitivas para o transtorno (Perez-Alvares, Serra-Amaya&Timoneda-Gallart, 2009).

Com base em algumas dificuldadesno diagnóstico, como as descritas anteriormente, umgrupo de profissionais sustenta a opinião da impossibilidade de tal diagnóstico, salientando que ascrianças são diagnosticadas equivocadamente, sendo tais comportamentos inerentes à instabilidade vivenciada pela criança. Em decorrênciadisso, ocorre uma prática inadequada no tratamento, como o uso abusivo de medicamentos. Este movimento ganhou força com a campanha “Não à medicalização da Vida” (http://site.cfp.org.br/cfp-lanca-campanha-nao-a-medicalizacao-da-vida/) lançada pelo Conselho Federal de Psicologia em 11 de julho de 2012. O foco central da discussão é justamente a medicalização feita de forma equivocada em criançasno contexto escolar, embora alguns profissionais sustentem ainda a posição da não existência do transtorno.

Com base no exposto é possível verificar que dificuldades relacionadas à atenção têm sido identificadas na população infantil e que o compromisso das ciências da saúde é de viabilizar um direcionamento na melhora da qualidade de vida dessas pessoas. Levando em consideração o caráter de desenvolvimento da criança, não seria este um momento favorável de intervenção, considerando a maior possibilidade de mudanças? Afinal um sujeito adulto, com uma estrutura já estabelecida, tende a apresentarmais estável, menos passível de alterações.Um dos possíveis caminhos para dar continuidade a essa discussão talvez esteja relacionado aos estudos acerca da validade consequencial, isto é, estudos baseados no impacto causado pelo diagnóstico de TDHA. Talvez estudos com evidências de validade baseadas nas consequências de testagem (APA, 1999) possam auxiliar na compreensão do impacto social que o diagnóstico de TDAH tem gerado.

Referências
American Educational Research Association, American Psychological Association, NacionalConcil on Measurement in Education (1999). Standards for Educational and Psychological Testing. Washington, DC: American Educational Research Association
American PsychiatricAssociaton (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-IV-TR.4 ed. Porto Alegre: Artmed
Mattos, P.; Rohde, L. A. &Polanczyk, G. V.(2012). O TDAH é subtratado no Brasil. Revista Brasileira de Psiquiatria, 34, 513-516.
Perez-Alvares, F.; Serra-Amaya, C. &Timoneda-Gallart, C.A. (2009). Cognitive versus Behavioral ADHD Phenotype: What is it all About? Neuropediatrics, 40, 32-38.
Polanczyk, G. V.; CaseNa, E. B.; Miguel, E. C. & Reed, U. C. (2012). Transtorno de déficit de Atenção / hiperatividade:Uma perspectiva científica. Clinics, 67(10), 1125-1126.